Equilibrista

Deve fazer uns 10 anos. Eu lembro de passar sempre por uma espécie de circo no caminho do trabalho. Ao lado do toldo principal eu via um garoto que tentava se equilibrar numa corda. Nessas, bambas, que tem nos circos normais. Sempre que eu passava, ele estava lá.

Comecei a reparar mais no garoto, e percebi que ele não conseguia chegar ao outro lado. Nunca. Puxa, como se esforçava! Era notável a sua perseverança! Todos os dias. Seu suor escorria pelo rosto, suas pernas vacilavam, suas mãos e tronco lutavam para se manter no eixo. Mas ele caía. Sempre caía.

O tempo foi passando, e percebi que o garoto não era mais um garoto. Já era homem. E forte. E ágil. Estava a cada dia mais preparado para o desafio. Os músculos mais rigidos, os reflexos mais afiados, o equilibrio mais constante. Mas caía! Sempre caía! Demorava mais do que antes, avançava mais do que antes. Mas caía!

E ao mesmo tempo que me afligia esse conflito, também passei a achar belo. Não por sadismo, nem por comédia. Apenas notava no rosto do garoto, do homem, um vigor incomum. Uma disposição por voltar de pé à corda.  Via em sua expressão uma alegria indizivel a cada passo à mais que dava, como se, aos poucos, realizasse a tarefa mais dificil do mundo. Talvez a considerasse impossivel. 

Então percebi. Percebi que o que me fascinava não era o fato de ele chegar ou não no final da corda. Percebi que o que me fascinava mesmo era ver o quanto ele queria ficar de pé. E mais que isso. O quanto ele estava disposto a sofrer para ficar cada vez mais tempo de pé. E ainda mais que isso. O quanto a ideia, por mais que impossivel, de chegar ao fim da corda, o motivava a levantar-se das quedas.

O circo acabou se mudando para qualquer outra cidade. Não o vi mais. Mas depois de tudo, não acho dificil adivinhar o que ele está fazendo agora.