Mas dá pra ler em menos tempo.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Nightkeepers

 

Dizem que existem duas coisas nessa vida que a gente, depois que aprende, nunca esquece. Dirigir e andar de bicicleta. Agora, ninguém disse nada sobre escrever. Faz quase 6 meses que eu não tenho priorizado esse meu hobby não remunerado, então é de se esperar que eu já não seja o mesmo de antes. É provavel que essa ultima frase tenha sido decodificada na cabeça do leitor como “Eu era bom e não sou mais” mas note que eu nunca me identifiquei como bom. Eu só estou pior.

O que nunca muda é o horario. São 4h da manhã e é possivel, como diriam alguns pais, que eu esteja “trocando o dia pela noite”. Francamente essa frase acaba com a dignidade dos vigilantes. O coitado deve ganhar uma mixaria pra trabalhar sozinho, no frio, calor ou chuva, vigiando uma rua provavelmente assustadora, desarmado, e ainda trocando o maldito dia pela noite, o que segundo nossos pais, é jogar a vida no lixo.

Nem era sobre os guardinhas noturnos que eu me propunha a falar mas poxa, os caras são heróis. Pensando bem nisso, os caras são verdadeiras insígneas da coragem brasileira. E fazem o trabalho deles na maior humildade, aceitando ser chamados de “guardinhas” noturnos. Por homenagem e grande ode a eles, os chamarei no restante da noite de “Nightkeepers”, porque afinal, os nomes in inglish enchem os nossos olhos e trazem um valor extra que na verdade não existe.

Nos coloquemos, agora, no lugar de um dos nossos queridos nightkeepers e vamos analisar se realmente eles são bem pagos, podem ser tratados como empregados de baixa escala, e se tem um trabalho simples.

São 21h e você está se dirigindo de onibus para o trabalho. Está um frio desgraçado e você tem que usar aquela toquinha que não combina com o seu casaco. Ao chegar, senta-se na caderinha de plastico com dois buracos estratégicamente posicionados pelo proprio inferno. Buracos provocados pelo estilingue dos filhos da dona Valéria, a mulher que vive te enchendo o saco e criticando porque uma vez as 5h da manhã ela te surpreendeu num sono inesperado. Você dá uma boa olhada para a rua, mal iluminada, tenebrosa. Niguém mais está fora de casa. As luzes vão se apagando e você se vê completamente só.

Alguns vagabundos aparecem de longe, estragando seu sentimento de solidão, apontando para uma das casas da rua, e você só ouve as girias cabulosas que a gente costuma ver nos filmes do Bope. Você congela na cadeirinha. É você e a cadeirinha. Talvez tenha trazido a lanterna. Mas não hoje. Hoje você está desarmado como sempre, e sem sua lanterninha. É você e a cadeirinha. Os sujeitos se afastam aparentemente, e meio aliviado meio receoso, você tira do bolso aquele seu apito de sei lá o que. Aquele apito pentelho que não parece com o som de mais nada. E começa a assopra-lo. Aquele som chato. Aquele som alto. Aquele som pra mostrar que está por perto, mas que as vezes assusta ainda mais as crianças. Você tem que ficar assoviando aquele negócio porque a tal da dona Valeria começou a te perseguir depois daquele episódio de fraqueza.

O tempo não passa. Por dias, por meses ninguém nunca apareceu para apresentar qualquer perigo à rua, e as horas cada vez ficam mais ociosas e demoradas. Tenta – se sintonizar alguma estação de rádio, e acaba-se pegando as músicas mais excluidas socialmente. Rádio boliviana. A luz da rua não te permite ler. O tempo não passa.

Até que derrepente, infelizmente, inesperadamente, um daqueles mesmos vagabundos volta e vai impetuosamente em direção a casa antes apontada! Ele começa a forçar as grades do portão! Você se levanta desesperado! Desarmado! Com sua toquinha! Corre em direção do malfeitor que agora inicia uma escalada ousada!  Aponta para ele, com sua cara de profundamente irado, e diz: “ Ei, marginal! Desça já daí!” E arrisca frases mais ameaçadora como “ Não vou falar de novo em!” ou “ Vou contar até tres!” “ umm, doisss, e lá vão os…” No susto, o assaltante, surpreso, foge afoito temendo o pior.E do pior ele se livrou. Um belo sermão repreensivo do nightkeeper. 

Mais umas 15 horas você aguarda até o nascer do Sol. O tempo realmente não passa, e o ataque do vagabundo foi o menor dos incomodos da noite.

Está aí, uma boa cena, das quais a maioria de nós não resistiria por mais de uma semana. Esses caras são verdadeiras lendas. Da próxima vez que passar por ele, cumprimente-o, sorria, lhe dê uma arma. Afinal, eles trocam o dia pela noite para que você não tenha que fazer isso também.

Para não terminar o texto com uma frase de efeito, vou deixar no ar uma duvida muito minha.

Será que eles nunca vão ao “banheiro”?   

Um comentário:

  1. Talvez eles vão na rua, ou vc pensa que quado passa e sente cheio de xixi foi apenas os animais? rs

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