O cabelo da gente é uma coisa interessante. Considero uma das únicas coisas que podem, de fato, te destruir por um dia inteiro. É claro que pode soar orgulhoso falar uma coisa dessas, afinal " a beleza está no interior". Mas não estou querendo dizer que o cabelo destrói a imagem que as pessoas tem de vc, e sim da imagem que vc mesmo tem de vc. De vez em quando, acordo com uma parte do cabelo totalmente levantada. Aquela parte que não devia estar levantada. Aquela parte que deveria dormir para sempre. Está lá. Acordada e dizendo coisas como "a noite é uma criança" e " vamos ser amigos!". Não adianta lutar contra ela. Ela é má quando é contrariada. Puxa e como é forte. Nem a água vence esse negócio. Alguns dizem "coloca gel que abaixa". Sim, pq ninguem percebe quando vc passa gel em apenas uma parte do cabelo. Enfim, no dia seguinte, com sorte, ela te deixa em paz, afinal, dois dias com um tufo esquisito em "superevidencia" é provação demais para um homem de bem.
Acontece que, o real terror, é ter um cabelo bom algum dia na vida. Pq ele serve de comparação para o resto dela.
Essa história de "dar uma aparada mas manter o corte" é boato. Na minha opinião isso é uma mentirinha que as mães contam quando a gente é pequeno pra nos convencer a cortar. No final elas te botam numa cadeira em forma de carrinho, te dão um balão e uma serie de promessas ou ameaças e mandam cortar o cabelo tigela.
A falta de bons cabeleireiros na minha vida, por exemplo, me levou à uma fase negra, quando meus cabelos tocavam nos ombros e o pavor estava estampado na cara de quem me via de frente.
Daí a gente cresce, toma vergonha na cara, e começa a ver que a mãe não tem uma noção muito boa do bonito ou feio. Elas são dedicadas, amorosas e tudo, mas conseguem ver a beleza em qualquer situação (espero não ter aberto os olhos de ninguém). Isso não acontece com amigos nem com garotas. Digo amigos pq eles são os primeiros a confirmar os seus medos perguntando se vc cortou no pet shop. Puxa, eles só conhecem essa piada. São uns trakinas. Aí vc começa a procurar por si e tentar dizer frases simples que os cabeleireiros consigam entender e realizar. Não que eles sejam burros nem nada, mas acho que o momento todo é envolto de uma tensão misteriosa. Então, certo dia, finalmente, encontrei um senhor descente, que tornou essa questão mais simples. Era um cabeleireiro dentro do Carrefour perto da escola, com certeza não era o lugar mais indicado, visto de fora, pra se ir, mas acabei dando uma chance, já que não acertavam em outros lugares mesmo. O cara era meio esquisito, devia ter uns 50 e poucos anos, um sorriso meio assustador, mas conseguiu cumprir o seu papel. Não era nenhum perito e nem me transformava em alguém sensacional, mas tb não cortava minha dignidade com a tesoura.
Mas ele morreu.
