Mas dá pra ler em menos tempo.

sábado, 7 de setembro de 2019

No Corredor

- Você conversou com ela ou não conversou?

- Conversei mais ou menos.

- Como assim mais ou menos?

- É que, tipo, eu falei o meu nome, disse que tava no primeiro ano, mas aí chegou um outro cara e se meteu na conversa.

- Que outro cara?

- Sei lá que outro cara. Um carequinha, da turma dela. Começou a falar de um trabalho que eles tinham que ajustar com URGÊNCIA. Eu não prestei muita atenção porque o cara tava com um bafo dos infernos. Juro pra você. Eu até tentei ficar ali por mais tempo, mas era um cheiro obsceno. Ela ficou toda preocupada com o trabalho e meio que perdeu o clima do negócio.

- Tá. – ele falou. Esfregou os olhos com a mão. Parecia que eu tinha deixado ele exausto com o meu papo. – é o seguinte cara: ela não é qualquer menina que você vai encontrar aqui não. Não, senhor. Tem um montão de abutre em cima dela.

- Eu sei.

- Não sei se você sabe, não. Já faz uns dois meses que você tá enrolando. Ontem veio aquele fortinho do judô e convidou ela pra almoçar e tudo. Falou que ela tava cheirosa.

- E o que ela falou? Ela foi almoçar com ele?

- Foi coisa nenhuma. Aquele cara é um babaca.

- É verdade. Um babaca mesmo. – respondi, feliz.

- Você tá perdendo o foco. Essa menina é o ouro puro. Qualquer dia vai chegar um cara decente aí na parada e você vai ficar me enchendo o saco todo o santo dia, choramingando que nem um minion doente, falando que ama ela e que perdeu a mulher da sua vida.

Senti uma pontada de dor. A mão invisível do medo se fechando no meu estomago com os seus dedos de fogo. E bem nessa hora ela apareceu, vindo do corredor da sala de informática, com aqueles cabelos curtos e brilhantes, o rosto sério, de quem está pensando em qualquer coisa importante e eu senti o meu esqueleto vibrar que nem um sino de igreja.

Só que ela percebeu que eu estava ali, conversando com o meu primo, e abriu um sorriso galáctico, que quase me jogou pra fora do prédio.

- Desculpa. Deu um problema com um trabalho que já tava pronto e eu acabei ficando um pouco nervosa. Mas tá tudo certo, o professor que se confundiu.

- Sei. – respondi. Na maior frieza. Mas só porque eu estava completamente gelado.

-Tu queria falar comigo? – perguntou. Dava pra ver que ela não estava totalmente segura na situação.

- É. Queria. – falei. Eu tava tremendo como um filho da mãe. E o Victor só ficou ali observando a cena, também meio nervoso, igualzinho o segundo homem do esquadrão anti-bombas. Fiquei em silencio um tempo, o que causou algum constrangimento nos dois.

- Pode falar. – ela disse, um pouco aflita.

- Eu estou perdidamente apaixonado por você. – falei.

- Puxa vida – o Victor falou, suspirando. – você é retardado.

Ela ficou me olhando, com a boca meio aberta, os olhos esbugalhados, sem respirar.

Meus batimentos cardíacos foram para níveis alarmantes e também não respirei naqueles dez segundos de puro apocalipse relacional. E aí completei dizendo:

- Era só isso que eu queria te dizer.

Ela continuou em estado de choque por mais uns segundos. Parecia que todo o prédio estava em choque. Um silêncio absoluto e alto.

- Entendi. – respondeu finalmente. Acho que ficou esperando pra ver se eu iria complementar, de alguma forma, aquele pensamento muito louco. Quando viu que nada mais sairia da minha boca, virou-se e foi embora.

Eu e o Victor observamos ela se afastar. Olhei pra ele e vi aquela cara de surpresa inconformada, como no final da primeira temporada de Game of Thrones. Ficamos em silencio por um momento. Então ele falou, apavorado:

- Não dá pra acreditar nisso. Ela gostou, cara. Ela gostou.

E eu respondi.

- Deus seja louvado.

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