Mas dá pra ler em menos tempo.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Ansiedade

Ele conhecia aquela sensação. Era todo ano a mesma coisa. Às vezes desejava não sentir isso. Mas o que ele podia fazer? A vida é a vida e ele estava vivo. Olhava pro teto há 25 minutos, mas sentia como se estivesse deitado na cama há horas. Seus olhos já tinham se acostumado com a escuridão e agora chamar aquilo de escuridão parecia piada.

O quarto estava quase claro, e todas as formas conhecidas podiam ser distinguidas. O armário branco, parecendo azul à luz da lua; seu quadro dos Beatles, em preto e branco (que na realidade nada mais era do que um poster tradicional que sua mãe colou em cima de um quadro de pães e tomates); e sua Televisão, aquela que fazia estranhos estalos em momentos inconvenientes, simulando a presença de criaturas malignas.

Estava sem sono. Ou melhor, sentia o sono presente, mas não conseguia dormir. Não conseguia acionar aquele botão da inconsciência. Rolava de um lado para o outro procurando alguma parte fria do lençol e se convencendo de que a posição correta o ajudaria em sua árdua tarefa.

As emoções do primeiro dia de aula povoavam a sua cabeça infantil. A vontade de rever os amigos, de jogar futebol antes de começarem as aulas, a expectativa de conhecer os alunos novos. Tudo isso agitava o pequeno estômago do menino e faziam-no esboçar um sorriso, mesmo de olhos fechados. E na medida em que esses pensamentos se formavam, este impulso gástrico nível 1 o fazia perder a capacidade de dormir.

"Não posso ficar pensando nisso. Vai ser um dia normal, como qualquer outro." ele repetia para si mesmo. Como se existissem dias normais! Dias tão parecidos a ponto de se confundirem! Ele estava indo para a 5a série afinal! Tantas coisas para acontecer! Tantas novidades em um único dia! Na realidade, as frases que dizia não passavam de um jogo mental de expectativas. O velho e novo jogo mental das expectativas. Jogo o qual ele jogaria até seus 70 e poucos anos, sem dominar totalmente.

Ele queria levantar e ir assistir televisão na sala, com seus pais. Mas sabia que não poderia. "Deite na cama que o sono vem", sua mãe diria. Mas ele não acreditava totalmente nisso e achava que a mãe também não. Seu pai lhe daria aquele olhar que não está aberto a questionamento e o entretenimento acabaria por aí.

E também tinha outra coisa. Uma coisa muito mais secreta que ele não admitiria para nenhum de seus pais e nenhum de seus amigos. Com exceção do Marcelo. Porque ele contava tudo para o Marcelo, que era seu melhor amigo, desde sempre (menos naquela vez em que ficou fazendo o jogo da imitação sem sua autorização. Naquela vez o Marcelo foi bem chato). Suas expectativas estavam, querendo ele ou não, concentradas nela. Na Laurinha, sua coleguinha.

Sim. Era amarga a dor do amor, mas também lhe parecia a melhor das brincadeiras. O melhor dos mistérios e dos faz-de-conta. Lá estava ela, escondida, no fundo daquela criança imberbe (que permaneceria imberbe até a morte), o rosto de sua coleguinha, com sua tiara preta, e seu sorriso muito bonito. Era isso que realmente explodia dentro do menino e lhe terminava por afastar completamente sua capacidade de quietude. Que saudades que ele sentia daquela pequena moça, de risada fácil. E nem sabia que aquilo se chamava saudades.

Quando enfim foi do agrado de Deus apagar o pobrezinho, o sono foi tranquilo e sem sonhos.

No dia seguinte, sentiu a pressão do cansaço lhe pesar os olhos, mas ficou pronto na velocidade de um espirro, com seu uniforme branco e sua chuteira verde novinha. Ao chegar na escola experimentou mais uma vez o sabor da ansiedade, agora mais intensa e urgente. Cumprimentou o porteiro Jorge, de quem gostava muito e entrou no restante de sua vida.

Reviu os amigos, jogou futebol, e sentou-se em seu lugar preferido, encostado na parede. Laurinha estava doente! Que infortúnio! Não pôde ir à escola. Uma pena. "Quem sabe amanhã?" ele pensa tristonho. E logo após 30 minutos da sua primeira aula, apoia a cabeça nas mãos e começa a sentir saudades das férias.

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