Mas dá pra ler em menos tempo.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Atena

Era noite. Uma noite daquelas em que entrar em casa nem passa pela sua cabeça. O clima estava nos seus 24 graus e tudo o que eu queria era terminar a minha vida daquele jeito. Estávamos sentados na areia, de frente para o mar. O cheiro da água salgada estava por toda parte e eu me sentia vivo como poucas vezes. De vez em quando uma brisa passava e colaborava ainda mais para aquela sensação de eternidade.

A lua estava grande e amarela e havia um milhão de estrelas visíveis. E não tem nada que mexa mais com a minha cabeça do que uma boa porção de estrelas.

- Você acha que a gente vai se lembrar disso aqui, quando tivermos nossos setenta anos? – perguntei. Não olhei pra ela, nem nada. Na verdade, estava completamente hipnotizado pelo momento.

- Não. – ela respondeu. Seca, rápida, mas sem ser grossa. E não falou mais nada.

Eu, que não poderia esperar uma resposta menos romântica do que essa, acabei saindo do transe à força e olhei pra ela, intrigado.

Seu rosto permaneceu imóvel, fixo no mar e estrelas, iluminado pela luz natural. Um rosto de prata. Belo como todas aquelas estrelas. Com tão pouca sugestão de sorriso, que eu tinha lá minhas dúvidas se havia alguma piada ali.

Sustentei meu olhar intrigado até ela me conceder a atenção do olho esquerdo.

- Que foi? – perguntou. Mas continuou sem esboçar nenhum sorriso e nem justificou a resposta.
Estreitei os olhos, investigando o que estava acontecendo.

- Sério? – perguntei finalmente. – Você acha que vamos esquecer desse momento? De nós dois aqui na praia, tomando esse suco de açaí espetacular que eu preparei para nós. Juntos aqui, você e eu?

Aí então o sorriso veio. Mas veio por causa do que falei sobre ter preparado um suco de açaí espetacular. E não porque ela estava apaixonada pela minha capacidade de fazer reflexões tão corajosas em plena quarta feira a noite.

- Sei lá. – ela respondeu. E voltou a olhar o mar. – Acho que vamos esquecer. Não sei. Setenta anos é daqui a muito tempo. 

Voltei a olhar para o céu, derrotado. Provavelmente com aquela cara que o Charlie Brown faz naquele episódio em que ele tenta explicar o que é o amor para Paty, sem sucesso. Mas rapidamente fui tragado pela profundidade daquele cenário. Respirei o ar puro e voltei a me sentir imortal. Depois de uns cinco minutos, tomei mais um gole do suco e insisti:

- Eu discordo. Acho que vamos lembrar, sim senhora. Podemos até não lembrar dos detalhes, do açaí e tudo. Mas vamos lembrar de algo bom. Não sei. Acho que sim. – voltei a olhar pra ela. Aquele rosto calmo. Parecia a escultura entalhada em mármore da própria deusa Atena. Aliás, ela era a própria deusa Atena, deusa da sabedoria e da guerra, já que essa deusa não existe e, portanto, pode ser quem eu quiser.

- E digo mais! – continuei, com o indicador erguido, como se estivesse afirmando uma verdade absoluta. – Acho que você vai se lembrar muito bem desse dia! Até melhor do que eu! E vai ficar chateada se eu disser que não lembro de nada. Que é o que eu vou fazer. Vou dizer que não lembro de nada só pra você ficar louca da vida.

E ri. Ela não reagiu.

Sempre aprendi com meu pai que existem momentos em que a gente deve ficar calado. Que o silencio tira mais respostas do que as perguntas. Mas eu nunca consigo identificar esses momentos. Só quando é tarde demais. E eu penso “Olha aí. Esse era outro daqueles momentos”.

Normalmente eu ficaria apavorado com o desenrolar de um diálogo como esse. De estar abrindo meus pensamentos sonhadores para não receber nenhum mísero pensamentos sonhador de volta. Felizmente aquela era Atena, minha namorada. E a interpretação da cena acabava sendo diferente da tradicional.

Sem sequer virar a cabeça para mim, para dar qualquer crédito à minha reflexão brilhante, procurou minha mão e entrelaçou os dedos nos meus. Senti uma rápida descarga elétrica por todo o corpo. Voltei a olhar para o céu, tomei mais um gole de suco e desejei novamente que minha vida terminasse daquele jeito.    

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