Briga

Eles me alcançaram um pouco depois do portão da escola. Mas só me alcançaram porque eu estava rindo muito. Eles nunca me pegariam, em outra situação.

O maldito me empurrou com tanta força, enquanto ainda estávamos correndo, que quase enfiei a cara no chão. Lutei para manter o equilíbrio e consegui, por pouco. Depois disso, não adiantava continuar fugindo. Seria muito humilhante. Parei de rir.

- Seu desgraçado - foi o que ele disse primeiro. Dava pra perceber que mal estava se aguentando de tanto que tinha corrido. O líquido vermelho já estava secando em seu cabelo e em sua roupa. Os outros infelizes chegaram logo atrás, bufando.

- Cê não devia ter feito isso. - continuou. - eu já não gostava muito de você, seu arrogantezinho miserável, mas agora eu tenho um bom motivo pra quebrar a sua cara.

- Eu gostaria de ver você tentar. - respondi. Uma ousadia que não poderia me custar mais caro do que o que eu já estava devendo.

Sou obrigado a confessar que fiquei um pouco triste com a parada de que ele "já não gostava muito" de mim. Mas foi só um reflexo natural. Não fazia questão de ser querido por aquele sacana e também não gostava muito dele.

É importante explicar que a ira daquele garoto de dezesseis anos era completamente justificável. Eu havia recém despejado uma generosa quantidade de lava de mentira na cabeça dele. Dessas lavas que o pessoal da oitava série usa nos vulcões de mentira na exposição científica da escola, sabe? Sempre quis fazer um vulcão desses, mas nunca tive a oportunidade.

Queria poder dizer que tive um motivo genuíno para essa atrocidade. Gostaria de dizer que eles estavam sacaneando com todos os experimentos dos mais jovens ou qualquer coisa assim, porque esse era o tipo de coisa que aqueles caras faziam. Mas a verdade é amarga.

A verdade é que eu estava muito estressado, na época, por conta do divórcio dos meus pais, e acho que fiz aquilo só para tentar relaxar um pouco. Vi que eles iam passar embaixo da escada e entornei o balde de lava falsa, como uma legítima arma de guerra. Não foi muito relaxante, se quer saber.

- Eu vou te arrebentar. - finalizou.

Meu cristianismo me espetou violentamente a consciência na forma da pergunta tradicional: o que Jesus faria nessa situação? Mas, no calor do momento, acabei primeiro realizando a inversão da pergunta: o que eu faria se fosse Jesus, nessa situação? Logo imaginei Jesus golpeando os filhos da mãe na velocidade da luz.

Reorientei meus pensamentos. Lancei um rápido pedido de perdão aos céus e fiz o que deveria fazer. Implorei por misericórdia. Brincadeira.

- Olha cara, me desculpe. - falei. - o que eu fiz foi errado. Não sei no que estava pensando.

Mas acho que falei isso com um resto de sorriso insolente, talvez lembrando da lava escorrendo furiosamente pela sua cabeleira, porque ele se atirou pra cima de mim e acertou um cruzado de direita bem na minha cara.

Cambaleei para trás, tentando processar o golpe, só que, numa situação dessas, a última coisa que a gente deve fazer é processar o golpe. Porque aí dói muito. Você tem que aproveitar a adrenalina para cair pra cima ou pra cair fora. Eu não fiz nem uma coisa nem outra. Fiquei tentando descobrir o quão pesado tinha sido o soco e nem tomei conhecimento dos amigos dele se aproximando, até que seguraram meus braços. Acho que pensaram "já que nos matamos para correr atrás dele, temos que desempenhar um papel nessa história."

De alguma forma eu consegui me libertar rapidamente e, pasmem, acertei uma espécie de gancho no queixo do meu adversário. Um golpe fabuloso. Todos ficaram atônitos com essa virada de jogo, até o povo que assistia de longe. Mas logo eles me dominaram novamente e me deram uma surra inesquecível.

Nesse dia, após muitos meses, vi meus pais concordando um com o outro. Unindo-se pela nobre causa de me passar um sermão tremendo e me colocar de castigo. Algum outro escritor poderia dizer que isso fez tudo valer a pena, mas seria uma baita mentira. Haha. Fiquei inchado por uma semana e, enfim, eles se divorciaram da mesma forma.